Uma estratégia arriscada dos Estados Unidos abala o comércio global e abre brechas para o Brasil se reposicionar
Os planos delirantes e desequilibrados do presidente Donald Trump, dos Estados Unidos, desencadearam um novo cenário de guerra comercial global. A política tarifária anunciada por ele nesta semana criou um clima de tensão no mundo inteiro, levantando incertezas e preocupações. Como as economias irão se reorganizar? Qual será a reação dos governos atingidos pelo tarifaço? Como serão redirecionados os fluxos comerciais internacionais? Perguntas que ainda não têm respostas definitivas.
De toda forma, já se projeta uma desaceleração do crescimento mundial, aumento da inflação e retração no comércio global. Apoiado na controversa “teoria do louco”, Trump acredita estar inaugurando uma nova era de prosperidade para os EUA. Tanto que chamou de “Dia da Libertação” a data em que anunciou as novas medidas.
A tal “teoria do louco”
Mas afinal, o que é essa teoria? Trata-se de uma tática política usada por Richard Nixon durante a Guerra do Vietnã. O então presidente dos EUA procurava parecer irracional e imprevisível para assustar seus inimigos, que temiam o que ele poderia fazer — inclusive o uso de armas nucleares. A ideia era criar insegurança no adversário, desestabilizá-lo psicologicamente. Essa estratégia passou à história como a “teoria do louco”. Trump, ao que tudo indica, quer repetir Nixon.
Seu pacote tarifário é agressivo e tem como objetivo desmontar a atual ordem de comércio global. Ao elevar as tarifas dos EUA ao nível mais alto desde 1930, Trump ameaçou provocar uma liquidação nos mercados financeiros. A China reagiu rapidamente, impondo novas tarifas e provocando um rombo de US$ 2,4 trilhões no mercado acionário americano. A Europa também sofreu: as ações do continente registraram a maior perda semanal em três anos. O presidente da França, Emmanuel Macron, pediu às empresas que congelem os investimentos nos Estados Unidos.
O Brasil na encruzilhada
E o Brasil, como se posiciona nesse tabuleiro de xadrez econômico? O governo brasileiro tem adotado uma postura diplomática, de cautela. Essa estratégia pode ter contribuído para que o país escapasse quase ileso do tarifaço, com uma taxação extra de 10% — a menor entre as aplicadas pelos EUA. Isso nos conferiu, inclusive, vantagens competitivas em algumas frentes do mercado internacional. O país tem atuado com pragmatismo e competência, sem confronto direto.
O vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, atual ministro da Indústria e Comércio, afirmou: “Mesmo com a tarifa mínima, que é ruim, fica aberta margem de negociação”. As conversas devem avançar na próxima semana. Uma das possíveis alternativas é reposicionar estrategicamente o Brasil, ocupando o espaço deixado pelas exportações agrícolas dos EUA para a China. Com isso, o agronegócio brasileiro poderá sair ganhando, especialmente nos segmentos de carne bovina, algodão e soja.
Oportunidades e desafios
Por outro lado, as exportações de máquinas e equipamentos brasileiros para os EUA tendem a perder competitividade diante da indústria local americana. Como resposta, o Congresso Nacional aprovou a chamada Lei da Reciprocidade, que autoriza o governo a retaliar países ou blocos que imponham barreiras comerciais ao Brasil. A lei também prevê contramedidas provisórias em casos excepcionais.
Durante a votação da proposta, o presidente da Câmara, deputado Hugo Motta, fez um apelo emblemático:
“Este episódio entre Estados Unidos e Brasil deve nos ensinar, definitivamente, que, nas horas mais importantes, não existe um Brasil de esquerda ou de direita, existe apenas o povo brasileiro. E nós, representantes do povo, temos de ter a capacidade de defendê-lo acima de nossas diferenças.”
O apelo surtiu efeito e marcou um ponto positivo no cenário político.
Agora, resta ao Brasil observar atentamente o desenrolar dos acontecimentos — e aproveitar as oportunidades estratégicas que, em meio ao caos, possam emergir.
Rui Leitão