A Lei Maria da Penha completou 18 anos em vigor nesta quarta-feira (7). Assinada em 2006, essa legislação pioneira, que foi a primeira norma jurídica brasileira a criminalizar a violência contra a mulher, enfrentou diversos desafios em sua aplicação ao longo de quase duas décadas e atualmente corre o risco de retrocesso.
De acordo com dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apurados pela Folha de São Paulo, a legislação resultou em cerca de 2,3 milhões de decisões de medidas protetivas, sendo 69,4% favoráveis ao pleito das vítimas em se manterem distantes de seus agressores. Por outro lado, 6,6% dos pedidos foram rejeitados e 13,9%, revogados.
Até 2009, os crimes de violência sexual eram enquadrados na lei contra os costumes, diferente de hoje, que se enquadram nos crimes contra a dignidade humana. À Folha, a advogada Silvia Pimentel, integrante do grupo de juristas que redigiu o texto da lei diz:
— No momento, a busca é pela criação de uma lei integral de proteção às mulheres em situação de violência. Alcançar a eficácia das normas é o maior desafio.
A Lei Maria da Penha criou 11 serviços de apoio à mulher vítima de violência, entre eles, rondas feitas por guardas civis nos municípios e a criação de juizados especiais. Apesar disso, a aplicação da norma ainda precisa superar o desafio da falta de fiscalização das medidas protetivas, principalmente em cidades afastadas dos grandes centros urbanos e em áreas dominadas pelo crime organizado.
A advogada Myllena Calasans, integrante do Consórcio Lei Maria da Penha, explica que essa limitação da lei afeta principalmente mulheres do interior, periféricas e indígenas, que já sofrem com os problemas estruturais de sua realidade. Em locais dominados pelo crime organizado, os chefes do tráfico fazem sua própria justiça, e isso inibe as mulheres de notificarem o Estado.
— Ao mesmo tempo que a mulher fica protegida do agressor dentro de casa, pode sofrer violência desse poder paralelo, diz.
A Lei teve inovações, mas ainda não é suficiente
Ao longo dos anos, a lei passou por inovações, ganhando um botão do pânico para smartphones conectados a centrais policiais e uso de tornozeleira eletrônica pelos agressores. Todo esse aparato, porém, não é acessível à maioria das mulheres, diz a advogada.
— Isso ainda é uma deficiência da implementação e exige compromisso dos estados e municípios, para se tornar uma política prioritária.
Retrocesso na Lei
Atualmente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) está discutindo se as medidas protetivas devem ser classificadas como de natureza penal. A Lei Maria da Penha, que tem como objetivo principal coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, possui uma natureza essencialmente penal.
A preocupação com a possível mudança na natureza jurídica das medidas protetivas de urgência surge porque, se forem consideradas de natureza penal, poderia ser necessário instaurar um processo penal para sua aplicação. Isso poderia comprometer a rapidez dos processos em casos graves, onde a agilidade na concessão das medidas é crucial para a proteção das vítimas. O CNJ constatou em 2022 que 30% dos pedidos de medida protetiva são concedidos após o prazo máximo de 48 horas, em desacordo com a Lei Maria da Penha.
A advogada Myllena menciona que tal mudança é vista como um retrocesso na aplicação da lei, pois poderia levar a exigências adicionais, como a elaboração de um boletim de ocorrência, para que a medida protetiva seja validada. Isso poderia criar barreiras adicionais para as vítimas que buscam proteção e apoio legal.